Tal como ficou prometido cá continuamos com a nossa viagem por terras alentejanas. Depois de deixarmos Monsaraz e Reguengos, continuamos o nosso roteiro com destino a Arraiolos, mas antes vamos passar por algumas terras que ficam em caminho e vale a pena visitar.
A história no seu todo é semelhante em todas, terras que vieram a ser fronteira com Espanha, desde as guerras travadas com os Romanos, Mouros, com Castela, até à Independência de Portugal, todas falam desse passado.
A linha defensiva que foi construída para defesa do território está bem visível nos castelos construídos, ou melhorados os já existentes que foram deixados pelos “donos,” na fuga das “hostes” portuguesas.
Passamos pelo Alandroal que deve o seu nome à grande quantidade de “loendros”, (arbustos venenosos, muito resistentes, conhecidos também por loureiro rosa, cevadilha, que existem por todo o País, mas com mais abundância, no Alentejo e no Algarve, planta que também temos por cá).
D. João II, o Príncipe Perfeito, dá-lhe foral em 1486, por aqui para além do castelo a mirar o rio Guadiana, fazemos uma visita à Capela de Santo António, ao Largo da Fonte das Bicas, Igreja Matriz, lojas de artesanato onde não faltam as tradicionais mantas alentejanas. Esta vila nasceu pela mão do 6º Mestre de Avis, D. Lourenço Afonso, no ano de 1298.
Antes de partir, vamos fazer uma visita obrigatória ao santuário da Rocha da Mina, dedicado a Endovélico, um deus lusitano da época pré-romana. Fica nas imediações do Alandroal no meio de um montado fechado, onde se ergue uma rocha de xisto com degraus escavados que dão acesso ao cume. São bem visíveis os altares onde eram feitos os sacrifícios. Os poucos Km que se fazem a pé pelo meio do arvoredo metem respeito, para quem não acredita em “crendices”, o que será que sentem aqueles que acreditam? Este santuário era rodeado por uma povoação cujo traçado chegou bem visível até hoje.
Terminada a visita damos um salto a Redondo, vila muito ligada ao conflito, “Guerra Civil”, que D. Dinis travou com o seu filho D. Afonso, que viria a ser Afonso IV, o Bravo. Antes de se ir comer uns pezinhos de coentrada, fazemos uma visita ao Pelourinho, a algumas igrejas e capelas, que tal como os castelos são muitas em todo o Alentejo, ao Museu do Barro, ou não fosse a cerâmica uma arte ancestral que orgulha a região, assim como o mármore. Agora sim, fazemos uma paragem para descansar e satisfazermos o nosso apetite com os tais pezinhos de coentrada ou uma açorda de bacalhau, umas migas com peixe do rio frito e azeitonas, e como está calor, talvez um gaspacho, acompanhado com o bom “panico” alentejano.
Retomamos a viagem a caminho de Vila Viçosa, passamos por Estremoz, que já no século XIII se chamava Stremoz, por onde passou a Rainha Santa Isabel quando o seu filho D. Afonso IV, Rei de Portugal, declarou guerra a Castela e ao seu rei e genro, Afonso XI, com o intuito de o castigar pelos maus tratos que dava a sua esposa, a infanta Maria de Portugal. A Rainha Santa interferiu evitando assim mais uma guerra.
Estremoz toda branquinha é mais uma terra de barro. Os “bonecos de Estremoz” levam-nos a uma arte com mais de três séculos de história que faz parte da vida do seu povo, mãos habilidosas dão forma ao barro criando figuras do quotidiano e imagens sacras, presépios, obras pintadas com cores garridas, as famosas bilhas que fazem a água “fresquinha”, decoradas minuciosamente com pedrinhas, na sua maioria apanhadas nas margens do Guadiana.
Fazemos uma visita ao Castelo, onde está a estátua da Rainha Santa, ao Convento dos Congregados, aos Cruzeiros de São Francisco e da Misericórdia, Pelourinhos, terra de Associações Desportivas e Culturais, terra de doces conventuais. Não podemos perder as azevias, as gadanhas, os petiscos tradicionais, as sopas de beldroegas, como precisamos de um merecido descanso, fazemos um intervalo para “petiscar”, não vamos ter estômago para tudo, mas não resistimos a umas boas “bochechas” de porco preto, com entrada de queijo de ovelha, e que nos perdoem os “diabetes” mais uma sericaia.
Depois de saciados seguimos a caminho de Arraiolos, mas primeiro uma passagem por Vila Viçosa, que já foi Vale Viçoso, percorremos a meia centena de Km e chegamos a terras “dos Bragança”, por onde também passaram Mouros, Romanos e Árabes tal como nos outros sítios, deixando marcas ainda bem visíveis. Afonso II muda-lhe o nome para o actual, atribui-lhe foral que contribui para o seu desenvolvimento. No reinado de D. Diniz, por sua ordem, começa a ser construído o castelo. Terra de muitos ribeiros e ribeiras no sopé da Serra de Borba, foi desde sempre produtiva.
No século XIV, instala-se a crise política em Portugal com a morte de D. Fernando I, o Formoso, em Outubro de 1383 sem deixar um filho varão. Fica, como regente, D. Leonor Teles, rainha que não era querida dentro nem fora da corte. O Alentejo é invadido pelos Castelhanos que querem a coroa Portuguesa, Vila Viçosa tinha como alcaide Vasco Porcalho, que toma o lado dos Castelhanos. Em Junho de 1385 dá-se a batalha de Aljubarrota na qual as tropas comandadas pelo futuro D. João I e pelo Condestável D. Nuno Alvares Pereira, derrotam os Castelhanos. D. João é proclamado Rei de Portugal e Vila Viçosa é doada a D. Nuno Alvares Pereira pelos feitos na batalha.
O Paço começou a ser construído por volta de 1501, pelo quarto Duque de Bragança, D. Jaime, no reinado de D. Manuel I. Em 1640 dá-se o início à Dinastia de Bragança, com D. João IV, que é o 8º Duque de Bragança. As obras vão-se sucedendo, são melhoradas com a aquisição de obras de arte, passa a casa de férias dos reis, mas acaba por ficar um pouco dado ao abandono.
Depois da implantação da República, o Palácio continua na posse de D. Manuel II como pertença da família real. Exilado em Londres, o monarca morre em 1932 deixando, por testamento, a criação da Fundação da Casa de Bragança que recebe muitos dos bens de D. Manuel, entre eles, o Palácio que assim abre as portas ao público como museu, podendo hoje ser visitado nessa capacidade…
Entrar dentro deste espaço é respirarmos mais de 400 anos da nossa História, numa Vila onde o passado nos leva a viajar pelas planícies alentejanas até se encontrar as pedreiras de extracção de mármore, do branco mais puro ao com veios rosa, verdes, anilados, castanhos, explorado há mais de 2.000 anos entre Vila Viçosa, Estremoz e Borba, exportado e apreciado em todo o Mundo, sendo uma das fontes de riqueza da região.
Por fim chegamos a Arraiolos, com muito mais para dizer da vila sem serem os magníficos tapetes que mãos habilidosas desde criança preenchem com lã as telas, algumas de sacos de sarapilheira, antigamente os sacos das batatas serviam para fazer tapetes nas casas mais pobres, desde que os “buracos” fossem certos para contar e do mesmo tamanho, tudo servia, nasciam assim os tapetes feitos em ponto cruz, inclinado, que se pensa terem origem nos Mouros, quando alguns se refugiaram por aqui encobertos de Cristãos.
Por aqui muita coisa há para ser visitada, desde o palácio quinhentista embora em mau estado, a torre Manuelina, a Igreja da Misericórdia, do século XVII, o Palácio da Sempre Noiva, onde são associadas muitas lendas, o Convento de São Francisco, e depois de no parque das merendas se descansar numa sombra com um bom lanche estilo alentejano dentro do cesto, continuar a percorrer a vila e trocar dois dedos de conversa com as suas gentes.
Mais tarde, numa pausa, saborear os bons pratos tradicionais, mais uma vez comer umas migas, se houver espargos são uma delícia, saborear os bons pratos de cozido de grão, a carne de porco a alentejana, acompanhada de um bom vinho da região.
Terminamos a visita a terras alentejanas em Arraiolos, terras de lendas, ficando a conhecer melhor as suas gentes, e depois de (em pensamento) nos termos deliciado com a gastronomia, os doces, os vinhos, os azeites, as carnes de borrego e de porco, fumeiro, queijos, azeitonas, sopas de beldroegas ou de cangarinhas, (cardo em que se limpa a parte verde, só se aproveita o talo do meio das folhas para fazer a sopa), todo um mundo de sabores e saberes, trazendo na bagagem muitas recordações onde não faltam os famosos tapetes, termos passeado por mais de 6 mil anos de história de um povo que apesar de ter um pouco de tudo foi terra de muitas necessidades e terra de grandes latifundiários. Hoje continua na mesma, terra de grandes herdades, muitas delas não nas mãos dos senhores da região, mas pior, nas mãos de multinacionais estrangeiras.
O povo, esse continua como ele diz esquecido, talvez esteja realmente um pouco esquecido, mas com melhor condições de vida do que aquela que tiveram os seus pais e avós.
Tenho pena de não levar o amigo leitor a um passeio pelas vinhas e adegas locais, algumas delas de pequenos agricultores, a fazer uma visita aos produtores de vinho da talha onde ainda hoje são usados os métodos que os romanos usavam na sua produção…fica para uma próxima oportunidade!
Em jeito de despedida, uma moda popular do Cante Alentejano.
Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão
Leva o teu braço liberto
Para abraçar teu irmão
Esse irmão que está tão perto
Do teu aperto de mão
E que tão longe amanhece
Nos campos da solidão
Se fores ao Alentejo
Não leves vinho nem pão.
Delicia-te com o que há por lá, acrescento eu!
Idalina Henriques