Monsignor Carlos Gabriel

Os serviços nacionais de saúde

O Serviço Nacional de Saúde é uma estrutura através do qual o Estado Português assegura o direito à saúde a todos os cidadãos de Portugal. A sua criação remonta ao ano de 1979, após se terem reunido as condições políticas e sociais provenientes da reestruturação política portuguesa da década de 1970.

O objectivo primário do SNS é a persecução, por parte do Estado, da responsabilidade que lhe cabe na protecção da saúde individual e colectiva e para tal está munido de cuidados integrados de saúde, nomeadamente a promoção e vigilância da saúde, a prevenção da doença, o diagnóstico e tratamento dos doentes e a reabilitação médica e social.
Nestes últimos anos, o sector da Saúde tem vindo a sofrer mudanças significativas, desde a transferência generalizada dos Hospitais das Misericórdias para a alçada do Estado, a criação do SNS, a publicação da Lei de Bases em Saúde, a transformação do estatuto jurídico dos hospitais públicos para SA (e posteriormente para EPE) e a construção de novos hospitais. De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o SNS é considerado o 12.º mais eficiente sistema de saúde do mundo, uma óptima avaliação do sistema.
Estamos agora a assistir a um degradar constante dos Serviços Nacionais de Saúde: Português que tem impacto na minha vida actual; Inglês que teve impacto durante seis anos. Os problemas são os mesmos com as febres virais durante o Inverno, especialmente nos picos das doenças febris que afectam particularmente os mais velhos. As ambulâncias, as camas nos hospitais e os profissionais médicos a sentirem-se esgotados e incapazes de atender todos os doentes, o que é compreensível, as horas de espera para ser atendido a falta de medicamentos nalguns casos e nalguns hospitais, especialmente nas zonas mais populosas.
Os profissionais médicos estão sujeitos a uma sobrecarga de trabalho devido aos meios digitais que armazenam toda a informação. “Se não for registado é como não tivesse sido feito”, dizia-me um enfermeiro. Parece demorar mais tempo a introduzir e armazenar dados do que a atender doentes que, por isso, esperam horas.
Em Inglaterra havia mais portáteis, Ipads e fotocopiadoras nos hospitais públicos que haviam por exemplo, de camas. Um técnico de informática em Londres que tinham instalado 700 fotocopiadoras, topo de gama num hospital. Afinal o que é mais necessário: fotocopiadoras ou camas para doentes?
Por isso a propaganda televisiva, sob a forma de telejornais, a aconselhar aos doentes a telefonarem para a linha de saúde 24, para supostamente serem aconselhados e encaminhados para o hospital relevante e para o serviço apropriado. Depois os telejornais mostram as ambulâncias à espera e o triste espectáculo de doentes em macas à espera de serem atendidos. A propaganda é imparável na tentativa de dissuadir os doentes de visitarem o hospital para serem atendidos. Mas muito mais subtil que isto é a sugestão dos médicos e hospitais privados. É aqui que está a intenção que já nem é velada, mas explícita: privatizar a saúde.
Em Portugal desde que o SNS foi criado a ideia era garantir cuidados de saúde a toda a população, um direito inscrito na Constituição da República. Sabendo disto, recorre-se aos Hospital, às vezes por razões sentimentais, de conforto humano de acompanhamento, o que gera corridas aos hospitais enchendo salas de espera, consultórios e enfermarias. Como esses luxos estão agora a serem controlados os doentes começam a pensar nos Seguros de Saúde, Hospitais privados e clínicas o que é música para os agentes desses fundos e desses seguros, gerando lucros fenomenais para os accionistas.
Por outro lado, médicos e enfermeiros e técnicos de laboratórios, profissões altamente especializadas que querem ser bem pagos para compensar o investimento que fizeram nos seus longos anos de estudos. Daí as compreensíveis greves dos profissionais de saúde que deixam os doentes nervosos, porque as consultas são canceladas, as operações proteladas e as doenças alastram.
O serviço de ambulâncias, por exemplo, exige investimentos colossais que é necessário renovar e modernizar constantemente: veículos, infra-estrutura de manutenção, motoristas, paramédicos acabam por se tornar empresas gigantescas que é necessário financiar. Se não há investimentos constantes, com as respectivas despesas, os profissionais começam a reclamar e a passarem ao público a ideia que, se os serviços não são eficazes, a culpa é da faltam de modernização da frota e da falta de equipamento.
Os Governos eleitos, na tentativa de controlar a dívida pública e praticar a contensão financeira resistem às pressões dos profissionais de saúde e as posições extremam-se deixando o país de joelhos a clamar por intervenção.
Por outro lado os equipamentos médicos e hospitalares exigem melhoramentos constantes, equipamentos novos e mais sofisticados que as companhias médicas e farmacêuticas estão mais do que preparadas e dispostas a vender aos governos e aos Serviços Nacionais de Saúde que, por outro lado, procuram atrasar esses processos, com estudos, análises e inquéritos.
Os medicamentos novos são cada vez mais caros, porque exigem grandes investimentos na sua investigação e produção. O que resulta de tudo isto é um movimento subterrâneo, sub-reptício e imparável de acordos entre fundos de pensões, seguros de saúde e companhias privadas para oferecer celeridade nos tratamentos e, assim, tentar o público a subscrever seguros de saúde, como acontece em tantos países onde a saúde é privada. Talvez esses países estejam melhor que os que praticam a saúde pública através de serviços médicos gratuitos ou comparticipados. Só que como a saúde é um direito constitucional, as classes mais desfavorecidas não estão interessados em despender das suas magras receitas e compreensivelmente.
A pandemia COVID-19 veio desequilibrar os serviços de saúde e colocou em movimento esta corrente imparável que é a tentação da privatização da saúde, cujos proponentes esperam lucros chorudos e avultados. Porque é que Obama não conseguiu tornar pública a saúde para todos os americanos? Trump reverteu escandalosamente a decisão pressionado pelos interesses privados que administram cuidados médicos no país.
Na África do Sul, a saúde privada funcionava bem, mas era cara e a maioria dos Sul-africanos era obrigada a recorrer aos hospitais centrais públicos manifestamente incapazes de proporcionar cuidados médicos apropriados.
Pelo que ouvi o Governo quer estender os cuidados médicos, semelhantes aos privados a toda a população.
Será que o sistema irá suportar a afluência? Só o tempo o dirá.
Qual o futuro da saúde em Portugal? Só o futuro o dirá, mas as perspectivas não são as mais optimistas.


Padre Carlos Gabriel
Ex Reitor da Igreja de Nossa Senhora de Fátima, Brentwood Park

Leave a Reply

Back to top button