Dom António Luciano, Bispo de Viseu, anunciou em Londres o nome do novo Capelão de Língua Portuguesa para a Comunidade lusófona, o Padre Claudio dos Reis, natural de Moçambique mas de origem Portuguesa, que me deixa grande satisfação. Isto significa a minha saída do Reino Unido e o regresso a Portugal, após 40 anos de ausência, embora com viagens constantes, nunca deixando de estar em contacto com o meu país e com a família.
A Comunidade lusófona em Londres em particular e no Reino Unido em geral fica em muitíssimas boas e hábeis mãos, o que me agrada e tranquiliza de sobremaneira. O Padre Claudio fala Português e Inglês fluentemente, tem sensibilidade para a religiosidade Portuguesa na qual cresceu e se formou e capacidade intelectual para abarcar o mundo anglo-saxónico com a sua cultura e idiossincrasias próprias.
A minha saída do Reino Unido está dentro da prática das nomeações da Igreja. Cumpri em Londres os seis (6) anos que a Conferência Episcopal Portuguesa me pediu e com a qual me comprometi. Não deixo de não reflectir sobre a minha experiência e vida na África do Sul e em Inglaterra. Durante décadas acalentei o sonho de voltar à Inglaterra onde tinha estudado Inglês em 1983, só que os desenvolvimentos políticos na Inglaterra, nomeadamente o Brexit, foram um golpe neste sonho. Sem acordo aduaneiro entre o Reino Unido e a União Europeia, a vida nesta ilha, auto segregada da Europa, tornou-se mais difícil e cara. As passagens nas fronteiras ficaram sujeitas a declarações, burocracias e taxas, bem à maneira das fronteiras da África Austral que enfrentei e suportei durante 34 anos, sempre sonhando com a passagem das fronteiras europeias livres das famigeradas burocracias. Com a implementação do Brexit em 2021, a travessia das rotas marítimas mais movimentadas do mundo – segundo frequente chavão britânico – o canal da Mancha, ou o canal Inglês, tornou-se lenta e cara. O Brexit encareceu de sobremaneira o nível vida na Inglaterra.
A pandemia, que ninguém esperava, dificultou a vida pastoral, as visitas a doentes e hospitais. O facto de não termos em Londres o luxo e a conveniência de uma Igreja nacional como tem a Comunidade Portuguesa da África do Sul – a Igreja de Nossa Senhora de Fátima – impõe restrições insuportáveis e insuperáveis à actividade pastoral. Vivemos num colete-de-forças entre as e necessidades e exigências das comunidades e as restrições que os padres Ingleses e as paróquias nos impõem, apesar de contribuirmos financeiramente para elas. Foram feitas duas tentativas de termos o ‘nosso’ próprio espaço de culto, formação e convívio e as tentativas foram simplesmente rejeitadas e ridicularizadas.
Esta Capelania exige muita “estaleca” dizia um antecessor. Também conclui que não era, pelo que fica dito, para “faint hearts”, para corações enfraquecidos.
Irei agora atentar a última etapa da minha vida, como diz Rudyard Kipling, “se vires reduzido a cinza aquilo em que acreditaste e, sem um lamento ou um gemido, recomeçares de novo com ferramentas gastas”! Afinal “já sou velho” como, sem papas na língua, me lembrava a minha sobrinha há dez anos. Depois de, numa decisão à sorte, quase irresponsável, ter enterrado tudo o que amealhei numa das aldeias mais pobres, mais pequenas e mais centrais de Portugal continental. Nenhuma Imobiliária perderá tempo sequer a avaliar o que me custou, literalmente, os olhos da cara. Ou se o fizer reduzirá o valor dez vezes menos.
Kipling também diz que se deve tratar o sucesso e o fracasso – esses dois impostores – da mesma maneira, porque afinal são ambos traiçoeiros e manhosos.
Em Londres não poderei ser lisonjeado por sucesso, como no meu posto anterior, África do Sul, o meu país de adopção, onde voltarei em Setembro, depois concluir a minha missão em Londres – a indução do Padre Claudio – para receber o prestigioso título eclesiástico de Monsenhor, que Sua Santidade me conferiu a 28 de Março passado, a pedido do Bispo Buti Tlhagale, Arcebispo de Joanesburgo. Apesar de o relatório final do Bispo Auxiliar de Westminster, Paul McAleenan afirmar que “durante os seis anos de serviço em Londres o Pe. Carlos serviu admiravelmente e foi extremamente apoiante a outros capelães”, prefiro mantê-lo privado não aconteça que alguém decida escrever cartas anónimas ao Bispo ou, pior do que isso, mobilizar a comunidade para uma manifestação em frente do palácio episcopal, contradizendo o dito relatório.
Londres e as comunidades que compõem a Missão Católica Portuguesa, Bayswater, Camden Town, Clapham Common, Cranford, Fulham e Bournemouth na costa sul de Inglaterra, ficarão igualmente na minha mente e no meu coração.
Agora resta-me a esperança de não ser tratado no meu próprio como cidadão de segunda classe após 40 anos de emigração e ausência, pelo facto de teimosamente ter mantido a residência em Portugal, um direito inalienável que me assiste pelo simples facto de lá ter nascido e lá ter pago impostos.
Esperam-me agora a Várzea dos Cavaleiros, a Ermida e o Figueiredo, no concelho da Sertã, para a recta final desta riquíssima aventura de padre e missionário. Parafraseando mais uma vez Rudyard Kipling, “se puderes sonhar e não fazer do sonho o teu mestre, pensar sem fazeres do pensamento o teu ídolo”, “se fores capaz de preencher cada irrepetível minuto com sessenta segundos de distância percorrida, a Terra será tua e tudo o que nela existe e, muito mais do que isso, serás um Homem”.
A Várzea dos Cavaleiros é a terra natal da minha avó materna, sepultada na Fundada, a terra para onde casou. Se lá estivesse assistiria às minhas Missas com um rasgado sorriso nos lábios.
Padre Carlos Gabriel
Capelão Cessante da Missão Católica Portuguesa no Reino Unido